Manifesto anti IA
Os grandes triunfos da humanidade surgiram através de ideias. Pensar levou adiante a humanidade, melhorando nosso entendimento sobre o funcionamento do mundo, o que em última análise, nos permite viver uma vida mais confortável. É justamente quando os humanos deixam de lado a racionalidade, que ocorrem os piores crimes, como as guerras. Se este é o traço mais importante da atuação humana neste planeta, é de se dar a tal fato a importância que merece. Porém, com a velocidade que as atividades humanas se desenrolam, nos últimos tempos percebemos um embotamento da racionalidade. A hiperespecialização que faz com que as pessoas se dediquem a aprender e raciocinar somente dentro dos limites da atividade profissional que desempenham , delegando os aspectos de qualquer outra área a terceiros, faz com que conhecimentos importantes fujam da nossa alçada. É a era dos especialistas.
A distribuição massiva de informação através da internet, faz com que praticamente todo o conhecimento da humanidade esteja a poucos cliques de distância de qualquer pessoas com acesso a ela. Nunca antes na História, tanto conhecimento esteve disponível. Mas porque não temos mais Einsteins multiplicados às centenas andando pelas ruas, hoje? Porque não ouvimos falar sobre prodigíos improváveis como Ramanujan?
O acesso à educação não é suficiente. Se fosse, hoje teríamos a sociedade mais inteligente que jamais pisou sobre este planeta. Mas o que vemos não é exatamente este cenário. É claro que os especialistas nunca estiveram mais sapientes sobre as suas áreas. Um físico decente hoje, sabe mais do que Einstein sabia em sua época. A tecnologia necessária para construir um computador hoje é ordens de grandeza superior à de 50 anos atrás. Tal tecnologia permitiu que uma grande quantidade de pessoas tivesse acesso a computadores. Dessa totalidade de pessoas, quantas sabem como o computador funciona? Muitas delas nem ao menos sabem editar uma planilha ou escrever em um editor de textos…
Nossa sociedade acostumou-se com o conforto das tecnologias. Dispor delas, sem necessitar conhecer os mecanismos que as fazem funcionar. Cada nova tecnologia que surge parece fazer parte de uma marcha inexorável rumo a automação completa, que poucos dominam e entendem. Carl Sagan já alertou sobre os perigos de uma sociedade desenvolvida cientificamente, mas que poucos entendem. No presente momento, a tecnologia da vez é a inteligência artificial.
A IA surgiu recentemente como uma novidade. Mas na verdade é a manifestação de décadas de tentativas de sofisticar as atividades que um computador é capaz de realizar. Escrever um texto e receber uma resposta de especialista de uma máquina é uma tarefa que encurta processos. Se antes precisavamos encontrar por nós mesmos as respostas para nossas dúvidas, seja por pesquisa física em enciclopédias, ou na internet em sites, hoje a IA nos dá a resposta sem titubear. Para alguns, parece ser uma tarefa desejável. Delegar a uma máquina (um modelo de IA na verdade) o pensamento. Os defensores da IA dizem que na medida em que podemos delegar tarefas maçantes para os modelos, alcançamos mais tempo livre. Mas, mais livre para o que exatamente? Para pensar mais, ou para nos entretermos mais em redes sociais vazias? Não creio que a IA torne as pessoas mais inteligentes. Pelo contrário.
Terceirizar os pensamentos sempre foi algo muito perigoso na história da humanidade. As piores ideiais disseminaram-se como pragas desta forma. Se um humano não é capaz de pensar por si, se não é capaz de formular ideiais próprias, sintetizando-as através de reflexão, o que temos é um futuro sombrio.
A IA vem tomando o discurso nas princípais mídias, sendo discutida como uma alternativa viável para substituir tarefas humanas. Para perguntas técnicas precisamente determinadas, de fato ela é extremamente útil. Se queremos entender como o pâncreas funciona, basta perguntar para a IA, que ela vai te responder com uma precisão invejável. Se peço para a IA roteirizar um pequeno conto, ela o fará. Basta dar as diretrizes básicas. Mas na medida em que faço isso, será que estou avançando com o conhecimento humano? Será que estou internalizando este conhecimento? Será que o texto gerado é de algum modo útil ou mesmo, bom?
Para quem valoriza a inteligência humana, o ato de pensar é um dos maiores prazeres. Descobrir por si só, refletir sobre assuntos e encontrar a lógica por trás é algo insubstituível. Delegar estas tarefas para um ente externo à mente é algo que no minínimo, não avança o intelecto humano. É algo que o estagna. Que o petrifica. A geração de textos sobre assuntos banais na internet é algo de fato irrisório, como no chamado marketing digital, que em última análise, é uma atividade pouco intectual. Porém, quando vemos profissionais, como médicos, engenheiros e até acadêmicos utilizando ferramentas de IA, é algo que devemos nos preocupar.
Por fim, não abordei as IAs que geram imagens. De todas as aplicações de IA, a manipulação de imagens é a que vejo como mais promissora. Poder detectar elementos em imagens, realizar contagens automáticas e identificar padrões são aplicações úteis e que não exigem pensamento crítico, mas somente força bruta. E é nesse tipo de utilidade que a IA é excelente. Ainda assim, há o lado obscuro desta aplicação, como na alteração de imagens e vídeos em que situações que nunca existiram podem ser facilmente criadas e manipuladas. Imagens falam por mil palavras. Muita informação pode ser transmitida através delas. Alterações da realidade através de imagens têm impactos muito mais preocupantes do que simples textos.
Não sou uma pessoa anti tecnologia. Ela já está presente e vai ser cada vez mais em nossa sociedade. Sou contra a terceirização do pensamento. Contra a geração de textos com profundidade pífia, sem alma humana. Sou contra o hedonismo desenfreado que nos domina, onde pensar custa tempo e dinheiro; onde o melhor mesmo, é mergulhar no mundo fictício das redes sociais em busca de prazeres imediatos. Quem delega o pensamento para entes externos, sejam outras pessoas, influenciadores ou IAs, está fadado a ter pouca autonomia sobre sua própria vida. Pensar exige coragem, exige tempo e exige humildade. É necessário aplicar esforço, mas o resultado é um ser humano.